Do ponto de vista estratégico, foi provavelmente a melhor atuação do Corinthians na temporada. O time de Fábio Carille conseguiu executar seu plano de jogo de maneira praticamente perfeita na vitória por 2 a 0 sobre o Palmeiras, quebrando uma invencibilidade de um ano do rival no Allianz Parque.
Sem bola, o líder do Brasileirão jogou recuado, negou espaços nas áreas mais perigosas com a eficácia de sempre e forçou o Palmeiras a incontáveis cruzamentos, a maioria deles inofensivos; com ela, a equipe teve objetividade e inteligência de movimentação, atacando os espaços para explorar os buracos deixados pelo sistema de marcação alviverde.
A diferença entre os dois times sem a bola, aliás, nascida de duas maneiras diferentes de entender o jogo por parte de seus treinadores, deu a tônica da partida. O Corinthians marca por zona: seus jogadores guardam posição, dando combate só quando a bola está em seu setor. Se a bola for para outra parte do campo, a marcação é responsabilidade de outro jogador. A linha defensiva corintiana é rígida, com quatro jogadores posicionados e muito perto um do outro sempre que possível.
Já o Palmeiras marca por encaixes individuais. No início de cada jogada, cada atleta palmeirense “encaixa” com um adversário e tem a responsabilidade de acompanhá-lo até o fim. Não é raro, por exemplo, ver os laterais do Palmeiras dando combate em zonas centrais do gramado, quando os pontas do outro time também centralizam. Os zagueiros saem constantemente da área para grudar no centroavante quando ele recua. Não existe uma linha defensiva, mas perseguições individuais.
Como o Corinthians explorou os encaixes do Palmeiras
Falhas na execução desse estilo, que é marca registrada de Cuca, foram cruciais nos dois gols do Corinthians. No lance do pênalti, quando Romero pega a bola na ponta esquerda, Mina segue Jô para fora da área e abre um buraco na defesa do Palmeiras, que nenhum outro jogador ocupa. Arana invade o espaço em velocidade, sem ser acompanhado por Róger Guedes, e Bruno Henrique chega atrasado na tentativa de consertar a situação.
No segundo gol, novamente o posicionamento de Mina é crucial. Róger Guedes, na lateral direita, dá combate a Romero, e o zagueiro colombiano, sem um oponente direto para marcar na jogada, fica posicionado atrás do companheiro, próximo à linha lateral. A distância para Edu Dracena, que está ocupado com Jô centralizado, é imensa. De novo, Arana invade o espaço em velocidade, e desta vez quem larga a marcação é Tchê Tchê – ele até sinaliza para Mina trocar a marcação e perseguir Arana, mas até o colombiano virar o corpo e começar a correr, é tarde demais.
Mesmo tendo menos a bola, o Corinthians pareceu mais perigoso o tempo inteiro. Especialmente no primeiro tempo, Rodriguinho e Jô ficaram mais soltos para puxar contra-ataques e assustaram o Palmeiras em algumas chegadas com triangulações, mas o time esbarrou em erros técnicos – Rodriguinho e Jadson estiveram abaixo nesse aspecto. No segundo tempo, o Corinthians ameaçou menos e se fechou em um bloco ainda mais compacto, com 11 atrás da linha da bola. Jô, o mais avançado, ficava na intermediária defensiva.
Palmeiras não apresenta resposta à marcação corintiana
Do outro lado, o ataque do Palmeiras não conseguiu levar perigo real a Cássio em quase nenhum momento com a bola rolando. As linhas próximas do Corinthians tiraram o espaço que Guerra gosta de ocupar, atrás dos volantes. A linha defensiva jogou muito próxima e estreita, barrando as tentativas individuais de Dudu. Jadson e Romero mostraram que o entrosamento com os laterais Fagner e Arana não é só na parte ofensiva, fechando os lados do campo, dobrando marcação e evitando que o Palmeiras chegasse à linha de fundo.
Com o Corinthians compacto e recuado, sobrou espaço para os volantes palmeirenses, que não souberam aproveitar. Quem mais se destacou nesse espaço foi Mina, que subia com a bola dominada sem ser pressionado e usava seu ótimo passe para encontrar palmeirenses entre as linhas de marcação do Corinthians. Esse tipo de passe incisivo do zagueiro, aliado a uma circulação de bola mais rápida e mais triangulações, foi o que faltou para o Palmeiras tentar desorganizar a marcação corintiana.
O resultado foi um festival de cruzamentos para jogadores baixos na área. No segundo tempo, sem resposta ou alternativa à marcação do Corinthians, Cuca se limitou a introduzir atacantes e colocar Borja e Mina para brigar pelo alto na frente. Em nenhum momento o Palmeiras chegou perto de fazer um gol, exceção feita a uma bola parada em que Cássio apareceu bem.
Por que funcionou em 2016 e não funciona em 2017?
O Palmeiras foi campeão brasileiro no ano passado com esse mesmo sistema de encaixes na marcação sob o comando de Cuca. O time era seguro defensivamente e tomava poucos gols, uma situação que contrasta com o panorama atual, de seguidas falhas de marcação.
A mudança de pessoal – como Gabriel Jesus, que iniciava a pressão na frente com eficiência, e Moisés, fundamental na perseguição no meio-campo – é um fator, mas o principal motivo para a piora parece ser as seguidas interrupções de trabalho, que atrapalham o coletivo e prejudicam a assimilação das ideias. Eduardo Baptista propunha um modelo de jogo totalmente oposto ao de Cuca, mas foi contratado; depois, foi demitido para a volta do mesmo Cuca. Não por acaso, o Corinthians, que definiu seu estilo em janeiro com Carille e trabalhou para aprimorá-lo, é hoje bastante superior na execução de sua proposta.