Camarões: o estereótipo africano ainda depende de Eto’o

Houve um tempo (para alguns, esse tempo ainda existe) em que falar de times africanos era falar de um jogo alegre, irresponsável, com técnica e velocidade, mas pouca disciplina tática. Esse cenário já mudou há anos, e times como Gana e Nigéria baseiam seus jogos em organização defensiva, marcação recuada e contra-ataques diretos. Mas a seleção camaronesa que o veterano técnico alemão Volker Finke levará para a Copa, na medida do possível, faz jus ao estereótipo: é um time muito mais técnico do que disciplinado, com uma fluidez que às vezes beira a desordem.

Finke foi uma espécie de revolucionário no futebol alemão. Seu Freiburg dos anos 90 derrubou tabus que atrasavam o futebol nacional, como a presença de um líbero estático atrás da defesa e a ênfase na força física – ele pode ser apontado como um dos precursores do que é o futebol alemão hoje, técnico, dinâmico e coletivo. Vinte anos depois, porém, seus métodos talvez não sejam mais tão inovadores, e a seleção de Camarões segue sofrendo de dois problemas antigos: falta de criatividade e uma ultradependência de Samuel Eto’o.

Longe do auge, Eto’o precisa fazer o time jogar

Com a completa inexistência de meias ofensivos de qualidade, o sistema camaronês é um 4-3-3 com basicamente três volantes e três atacantes. Cabe ao capitão Eto’o recuar constantemente para ajudar a equipe a triangular passes e criar jogadas. Na seleção, Eto’o costuma atuar aberto na esquerda, deixando a função de centroavante para o jovem Aboubakar ou os veteranos Webó e Idrissou; todos jogadores fortes e tecnicamente limitados, com função principal de atrair a marcação para longe da estrela camaronesa.

O problema é que Eto’o não é mais o mesmo de cinco anos atrás. A velocidade assombrosa, antes sua principal arma, hoje já não é tão superior. Ainda restam boa técnica e ótima capacidade de finalização; na seleção, porém, Eto’o precisa fazer funções que nunca desempenhou em seus clubes, com obrigação de apoiar os meio-campistas e também entrar na área. É notório como a centelha de criatividade do time costuma se acender só quando ele pega na bola, mas Camarões mesmo assim sofre muito para criar chances de gol com o domínio da bola.

Meio-campo é técnico e fluido, mas não criativo

O meio-campo camaronês pode ter três jogadores com característica de volante, mas nem de longe é fraco tecnicamente. Song, Makoun e Enoh, os prováveis titulares, são jogadores hábeis, com bom domínio de bola e precisão no passe. A movimentação constante também chama a atenção: não é raro ver Song, o volante mais recuado, avançar à frente dos outros dois, ou ver o trio trocando de posição em meio aos ataques.

Na hora do passe decisivo, porém, o setor falha. Os meio-campistas são técnicos e móveis, mas não têm a visão necessária para aquela bola que abre a defesa rival, preferindo passes mais curtos e seguros. O jogador com mais possibilidade de criar algo é justamente Song, avançando à frente dos outros dois volantes e tentando enfiadas ou cavadinhas para os atacantes, como costumava fazer com Van Persie na época de Arsenal. Na maioria do tempo, porém, Camarões joga sem penetrar o adversário, dependendo de cruzamentos ou chutes de longe.

Marcação tem problemas sérios em todo o campo

Camarões conseguiu um bom desempenho defensivo nas eliminatórias, mas contra adversários mais qualificados na Copa, os problemas de marcação do time devem aparecer. O defeito não está na linha defensiva em si, que tem nomes muito bons: Nyom é um lateral direito de boa marcação e vigor físico, os zagueiros N’Koulou e Chedjou são técnicos e rápidos, e na esquerda, Assou-Ekotto é experiente. Mas o modo de jogar da seleção deixa o time vulnerável, especialmente a contra-ataques. O Brasil, de novo, agradece (leia aqui).

Com Eto’o saindo bastante da ponta esquerda para articular ou finalizar, ele quase nunca está em posição para cobrir o setor. Do outro lado, Choupo-Moting volta mais para ajudar o lateral Nyom, mas também “desliga” às vezes. Com os lados do campo expostos, os volantes precisam correr de um lado para o outro para fechar espaços, ficando bastante vulneráveis a inversões rápidas de jogo. E a fluidez do trio de meio-campo também não ajuda, já que várias vezes Song está bem longe da posição que deveria ocupar à frente da zaga.

Jogador-chave: Eto’o. Aos 33 anos e já sem a velocidade do auge, ele ainda é a estrela e precisa fazer o time jogar, além de ser o líder procurado pelos companheiros em momentos de dificuldade. Nunca teve na seleção a facilidade de ser principalmente um finalizador, como nos clubes que defendeu. Sua movimentação também abre espaço para as subidas de Assou-Ekotto, uma das melhores apostas de Camarões para compensar a falta de criatividade dos meio-campistas.

Palpite: cai na primeira fase 

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