O chocante massacre holandês sobre a Espanha na Arena Fonte Nova não significou (pela enésima vez) a decadência do estilo característico da seleção e do Barcelona, que prioriza a posse de bola e a paciência na construção da jogada. Mas foi um claro indicativo de onde este time da Espanha – e, não por coincidência, também o Barcelona atual – decaiu drasticamente desde seu auge: na marcação pressão. Com a bola, foi a mesma Espanha de sempre; sem ela, mostrou uma apatia que faria Guardiola ir à loucura.
A Espanha do toque de bola envolvente, que faz os adversários correrem atrás da bola, ainda é a mesma. Ao seu estilo, os atuais campeões do mundo dominaram o primeiro tempo contra a Holanda e poderiam ter feito 2 a 0 se David Silva não tivesse perdido cara a cara. Porém, os alertas de perigo já estavam lá desde o início. Sneijder apareceu na cara do gol logo nos primeiros minutos, e o gol de gênio de Van Persie saiu pelo mesmo motivo na origem da jogada: nenhuma pressão na marcação.
Marcação frouxa e defesa adiantada: uma combinação suicida
Veja novamente o lance do primeiro gol de Van Persie. O ala esquerdo Blind domina a bola e tem tempo de olhar para a área, ajeitar o corpo, ver a movimentação do atacante e fazer o lançamento. O passe foi perfeito, mas ele nunca teria todo esse tempo para pensar em outras épocas da seleção. A Espanha sempre jogou com a linha defensiva muito adiantada, mas os adversários não conseguiam explorar isso a todo momento, como fez a Holanda, justamente porque a marcação era sufocante e tirava o espaço e o tempo de raciocínio de quem estava com a bola.
O declínio físico de jogadores como Xavi e Xabi Alonso é inegável, e a ausência de Pedro no time titular beira o inexplicável – o atacante do Barcelona é aplicadíssimo na marcação pressão e oferece constantemente um perigo por trás da zaga adversária. Os meio-campistas espanhóis criaram espaço e envolveram os holandeses, mas, como já demonstrado contra o Brasil no ano passado, foram incapazes de competir fisicamente na hora de marcar. A posse de bola não criou chances suficientes para compensar as deficiências defensivas; Koke, do Atlético de Madrid, pede passagem no time titular.
Holanda aposta alto, assume riscos e é recompensada
Além da apatia espanhola sem a bola – e de uma dose do acaso, com duas falhas grotescas de Casillas no terceiro e no quarto gols –, a Holanda também contou com um plano de jogo ousado, arriscado e muito bem executado. Van Gaal mudou radicalmente o desenho do time nos últimos amistosos pré-Copa, e é grande a chance de que tenha sido especialmente para esse jogo: a Holanda trocou um 4-2-3-1 sem criatividade por um 3-5-2 agressivo, que busca contragolpes em altíssima velocidade assim que recupera a bola.
O esquema tirou o melhor de Robben, que destruiu a Espanha no contra-ataque em uma maneira que lembrou as atuações de Neymar na final da Copa das Confederações e de Cristiano Ronaldo na Liga dos Campeões, contra o Bayern de Guardiola. Solto no ataque ao lado de Van Persie, o camisa 11 da Holanda foi a grande válvula de escape para os lançamentos diretos do campo de defesa – o meia Sneijder mal participou do jogo – e mostrou a vulnerabilidade da defesa espanhola quando o meio-campo não aperta a marcação.
Outro ponto positivo do esquema holandês foi a liberdade dada aos alas Janmaat e Blind. O trio ofensivo da Espanha (Iniesta-Diego Costa-David Silva) tentava fechar os três zagueiros holandeses, e deixava os alas totalmente livres – situação semelhante à da partida contra a Itália na primeira fase da Euro 2012, também em um 3-5-2. A Holanda também correu riscos com uma defesa adiantada, mas marcou com muito mais agressividade no meio-campo – essa foi a diferença crucial para que seus zagueiros não ficassem constantemente expostos a bolas em profundidade, como aconteceu com Piqué e Sergio Ramos.